Foto de Nara Marx |
"como alguém que lhe apagasse a luz
vedasse a porta
e abrisse o gás"
(Pseudônimo: AlaId)
Significação. Enquanto andava, procurava. Liberdade . Uma infindável dor no peito fazia dias , fazia meses, fazia anos , fazia existência .
Queria abandoná-la em qualquer lugar , já não agüentava mais . Sem dormir , acordava com ela ; algo que gritava em seu peito e parecia querer matá-lo.
Dói.
Doía. Talvez se apertasse os passos , corresse, tropeçasse, talvez isso faria com que as lembranças fossem perdidas e com elas a dor mas o medo era de reencontrá-las – porque o termo perder nos remete, inconscientemente , ao reencontro ; fato este que não acontece quando perdemos moedas de um real no vão do sofá . O medo era de não perdê-la jamais .
A manhã , muito cedo , era linda e morna . Diria até um pouco molhada da chuva da madrugada . Estava tudo em seu lugar e o percurso era quase o mesmo . Não havia ninguém ; poucos carros indo e vindo.
Será que ninguém sentia?
O mundo acaba para uns e para outros está nascendo - sabia - só não queria mais chorar de dor .
Estava sozinho e não conseguia levantar .
E como conseguiria? Tudo estava impregnado. As cores , os cheiros , os outros . Tudo . Tudo que não o deixava em paz . Esquizofrenia aguda – que termo mais “nelsonrodriguiano”. Suas mãos formigavam. Elas só formigavam quando ele estava prestes a ter um lapso nervoso . Que dó da dor , que dó da ignorância .
Lembrou dos olhinhos brilhantes que lhe perguntaram: - Por que você chora ? – Lembrou-se que disse que era por nada . Mas , oras , ninguém chora por nada ! E então olhinhos brilhantes se calaram e ele não queria silêncio , queria um abraço e teve vergonha de pedir .
Teve vergonha de si . Doía. Deixou de andar , começou a correr , mas não passava. Sua respiração estava ofegante mas não passava. Desespero . Des-esperança. Tomou um caminho que pouco percorria e lembrou-se de que só o fazia quando não chovia todas as noites ; só o percorria quando o Sol brilhava ou a ilusão de que havia uma luz ; como quiserem interpretar .
Parou no topo daquele viaduto , uma artéria da cidade que ligava um bairro nobre à região central . Havia pouco movimento - para ele ainda era cedo .
A grama crescia como a dor . Pobre , sabia que era impossível e não fez, não fez nada .
Viu ao longe um caminhão . Grande . Uma dor no peito bem maior que o caminhão .
E se aproximava. Azul . Grande .
Começou a gargalhar de medo : medo da vida , medo do regresso , medo de tudo .
Doía – mas ele iria se livrar dela. Então mergulhou: rindo e de braços abertos . Agora sua dor ia atropelar o caminhão . Isso ! Agora sua dor sentiria dor – uma dor maciça , uma dor de ferro . O caminhão acertou-lhe o corpo todo em cheio , ou melhor , o corpo todo acertou em cheio o caminhão . Desespero do pobre caminhoneiro que , em estado de choque , brecou.
O corpo caiu sobre o asfalto , não havia trânsito , não havia ninguém . Novamente estava só , porém a dor amenizava e ele ria , gargalhava numa mistura de gozo e insensatez .
Olhou para o asfalto gélido viu sua dor se espalhar por todo ele . Era vermelha . Ficou encantado: a sua dor era vermelha ! Será que a dor de todo mundo é vermelha ?
Estava se livrando dela. O mundo estava se livrando dele.
(Nara Marx idos de 2004, revindos de 2011)
eu tô aqui,viu?
ResponderExcluirImpressionante: como é grande a nossa dor!
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